“O amianto constitui um importante factor de mortalidade relacionada com o trabalho e um dos principais desafios para a saúde pública a nível mundial, cujos efeitos surgem na maioria dos casos vários anos depois das situações de exposição.”
Apesar da afirmação acima referida ser datada de 2007 e estar plasmada no Decreto-Lei 266/2007, de 24 de Julho - relativo à protecção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho - é preciso recuar mais de 2 000 anos, sim, dois mil anos, para encontrar as primeiras referências à elevada taxa de mortalidade provocada pela exposição ao amianto durante do trabalho – fê-lo Heródoto, em relação à morte dos escravos que produziam mortalhas de amianto (ver referências).
Qualquer que seja o tipo ou origem geológica, as fibras de amianto são cancerígenas
Usado desde a Antiguidade em milhares de produtos diferentes – utensílios cerâmicos, mechas de lanternas, toalhas - a utilização massificada - na construção civil, em estaleiros e até em vários utensílios domésticos (como cortinas e armários) - fez do amianto, uma indústria bastante lucrativa, pese embora os inúmeros avisos feitos sobre a sua perigosidade e o seu impacto na saúde das pessoas.
Há muito é sabido que a exposição continuada ao amianto provoca danos irreversíveis na saúde e já desde os primeiros anos do século XX está clinicamente estabelecida a relação entre o seu manuseamento e morte de trabalhadores por fibrose pulmonar (ver referências).
Apesar de Portugal ter aprovado a ratificação da Convenção nº 162 da OIT, sobre segurança na utilização do amianto, em 1998 (ver referências), e de ter proibido a utilização de amianto e de produtos que contenham as suas fibras em 2005 (ver referências), o amianto continua presente em milhares de estruturas no nosso país: edifícios e equipamentos públicos, escolas e outros.
Largamente utilizado até meados dos anos 90, foi nas décadas de 70 e 80 que a utilização do fibrocimento na construção civil se tornou tão intensa quanto abusiva. De acordo com o Departamento de Saúde Ambiental da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, os materiais aplicados na construção/revestimento de edifícios até 1994 continham amianto, já que, até então, era utilizado o fibrocimento – composto de cimento com 10 a 15% de fibras de amianto.
Usos e aplicações de amianto Telhas de fibrocimento e tectos falsos - Revestimento e coberturas de edifícios - Painéis divisórios - Gesso e estuques - Tubagens, canalizações e caixas de água - Isolamentos térmicos, eléctricos e acústicos - Revestimento de travões e embraiagens - Vestuário de protecção contra fogo (fatos, aventais, luvas) - Tecidos, cordas e cordões |
No entanto, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INS Ricardo Jorge) – que faz a avaliação do risco do amianto - vai mais longe, ao afirmar que «todo o fibrocimento utilizado no construção de escolas e outros edifícios, até Dezembro de 2004, tem, muito provavelmente, amianto na sua composição».
Qualquer que seja a data de referência, uma certeza persiste: a de que os efeitos do amianto se vão fazer sentir ainda por muitas décadas na saúde de todos quantos a ele estiveram ou estão expostos, no trabalho, na escola ou até mesmo em casa.
Estima-se que, em finais dos anos 90, cerca de 3 000 trabalhadores estivessem, em postos de trabalho directos e indirectos, ligados à indústria do amianto (em 8 fábricas existentes, 5 de fibrocimento, 1 têxtil e 2 de materiais de fricção). Mas, na realidade, o número de trabalhadores expostos a fibras de amianto ascenderá a vários milhares. Basta pensar nos vários edifícios governamentais e públicos onde esta substância, ainda hoje, pode ser encontrada.
Apesar de, em 2003, ter sido feita a segunda recomendação ao Governo para que procedesse à inventariação de todos os edifícios públicos que contivessem amianto na sua construção (ver referências) e que o fizesse no espaço de um ano, onze anos depois, em 2014, ainda não se sabe quantos edifícios, de norte a sul do país, constituem uma armadilha potencialmente mortífera para quem neles trabalha e/ou deles se serve.
Entre 2006 e 2010, nove ministérios e a Presidência do Conselho de Ministros apresentaram listas onde são contabilizados cerca de 900 edifícios governamentais que podem conter materiais com amianto. O Ministério da Educação dava conta de 729 escolas sob sua dependência com coberturas de fibrocimento. O Ministério da Saúde indicava, pelo menos, 13 edifícios - entre os quais os Hospitais Curry Cabral e Júlio de Matos, em Lisboa e o próprio INS Ricardo Jorge - cuja cobertura se encontrava degradada. No Ministério da Justiça, foram identificados 5 Palácios de Justiça com revestimentos de amianto, incluindo o de Lisboa e a Administração Interna “ficou-se” pela apresentação de 11 edifícios da PSP – talvez entre estes se encontre o edifício da PSP de Viana do Castelo onde, dos 40 agentes que lá têm ou tiveram (nos últimos 20 anos) o seu posto de trabalho, 23 contraíram cancro…
Porém, os números fornecidos no período em referência, ficam muito aquém dos cerca de 600 mil edifícios com coberturas de fibrocimento, indicados em 2008, pela investigadora do INS Ricardo Jorge, Maria do Carmo Proença.
Certo é que, em 2011, a recomendação para a remoção de materiais com amianto dos edifícios, instalações e equipamentos públicos, se torna uma imposição legal, com a aprovação da Lei nº 2/2011, de 9 de Janeiro (ver referências).
Mas, mais uma vez, o Governo não cumpriu a lei e os seus representantes “sacodem a água do capote”, atirando a responsabilidade para o vizinho do lado!
Em Fevereiro de 2013, Miguel Relvas afirmava que o Governo não tinha dinheiro para inventariar os edifícios públicos com amianto, remetendo a possibilidade para o quadro comunitário 2014-2020. Simultaneamente, dizia que o acompanhamento da situação era da competência do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, passando a responsabilidade, ou parte dela, para Assunção Cristas que, por sua vez, afirmava em Novembro do mesmo ano, que a elencagem de tais edifícios não era uma “prioridade número um”.
Já em Fevereiro deste ano, Jorge Moreira da Silva, agora Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, diz que o amianto é um tema de saúde pública e, enquanto tal, está fora da sua alçada. A intervenção do ministério que tutela respeita “apenas” às normas que regem a gestão dos resíduos que contêm amianto…
E se essa mesma gestão estava dependente de uma Portaria que, prevista desde 2008, aprovasse as normas para a remoção dos materiais com amianto e acondicionamento dos respectivos resíduos, lamentavelmente se informa que a mesma só há dias foi publicada: Portaria nº 40/2014, de 17 de Fevereiro (ver referências).
Três dias antes, em 14 de Fevereiro, Passos Coelho foi ao Parlamento afirmar que a inventariação que devia ter sido feita há 11 anos estaria pronta, imagine-se, daqui a 2 meses!!! Apesar disso, não deixou, como sendo quem é não podia deixar de o fazer, de desvalorizar os riscos para a saúde, afirmando que ”De acordo com a avaliação que foi feita, o grau de perigosidade é relativamente baixo para não dizer negligenciável”, realçando que, na maioria dos casos, o amianto "não comporta um risco significativo para os trabalhadores".
Portugal, números negros em 2014 PSP de Viana do Castelo - 40 Agentes - 23 casos de cancro Direcção-geral de Energia e Geologia - 120 trabalhadores - 19 casos de cancro, 9 mortes |
É com esta ligeireza que o Primeiro-Ministro de Portugal se dirige a todos aqueles que, por uma razão ou por outra, têm a sua saúde e a sua vida em risco por exposição a materiais que contêm amianto: trabalhadores, reformados e pensionistas, crianças e jovens em idade escolar…Mais uma vez, o Governo opta, de forma consciente, por expressar total indiferença e desprezo pela saúde e a vida dos trabalhadores e da população.
Negligentemente, as altas instâncias portuguesas continuam a dizer que os trabalhadores têm que desempenhar, dia após dia, as suas tarefas em edifícios contaminados, até se conseguirem soluções economicamente viáveis. Fazem-no com a mesma leviandade com que continuam a dizer que temos que mandar os nossos filhos para escolas com cobertura de fibrocimento, muitas delas em claro estado de degradação.
O amianto, também conhecido como asbesto, é um mineral metamórfico de origem natural, constituído por filamentos e fibras que, pelas suas propriedades, foi utilizado em larga escala em vários sectores de actividade até à década de 90.
O facto de ser uma fibra incombustível (significado de “asbesta” em grego) e incorruptível (significado de “amianthus” em latim), altamente resistente à tracção, a substâncias químicas, ao calor e ao fogo, mas simultaneamente maleável, com excelentes capacidades de isolamento térmico, eléctrico e acústico e de baixo custo, determinou a utilização mundialmente generalizada desta matéria-prima ao longo dos séculos.
Entre as diferentes variedades de amianto, encontram-se o crisólito, conhecido por “amianto branco”, pertence ao grupo das serpentinas e é o tipo mais utilizado na indústria (mais de 90%); a amosite, conhecida por “amianto castanho”, pertence ao grupo das anfíbolas; e a crocidolite, conhecida por “amianto azul”, pertence ao grupo das anfíbolas e é, das seis variedades existentes, a mais perigosa.
Mais de 100 anos depois de H. Murray, publicar a primeira descrição médica da asbestose em Inglaterra (ver referências) - responsável pela morte de um trabalhador exposto ao amianto em actividades de fiação - em 2010, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirmava que esta continuava a ser responsável por 100 a 140 mil mortes por ano, estando este número em crescimento.
O amianto é um agente cancerígeno, reconhecido como tal pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Cancro da Organização Mundial de Saúde desde os anos 70 do século passado.
No entanto, o primeiro diagnóstico de morte por asbestose pulmonar, leva-nos à Inglaterra dos anos 20 e ao inquérito feito em torno da morte da operária têxtil, Nelly Kershaw (ver referências).
Asbestose: doença pulmonar progressiva, manifesta-se 10 a 20 anos depois da exposição. Foi diagnosticada em trabalhadores da indústria têxtil (Inglaterra) e naval (EUA).
É provocada pela inalação de fibras de amianto, que irritam os tecidos pulmonares e resultam na sua inflamação e consequente cicatrização. A extensão da lesão dificulta a oxigenação do sangue e leva à morte por sufocamento.
Cancro do Pulmão: doença que provoca maior número de mortes decorrentes da exposição ao amianto, manifesta-se 15 a 30 anos depois do contacto. Muito frequente nos trabalhadores que usam o amianto e produtos dele decorrentes.
Estudos elaborados nos anos 60 afirmam, de forma clara, a relação entre a exposição ao amianto e o cancro do pulmão. Calcula-se que os trabalhadores expostos ao amianto por 20 ou mais anos, tenham 10 vezes mais probabilidade de contrair cancro de pulmão que o resto da população.
Mesotelioma: forma rara de cancro, exclusivamente provocado pelo amianto, que atinge a pleura, o tórax, o abdómen e o coração. É a doença relacionada com o amianto com maior período de lactência, podendo manifestar-se 20 a 50 anos depois da exposição, mas uma vez diagnosticada, a morte ocorre, geralmente, em menos de um ano.
Associados ao amianto podem estar ainda casos de cancro da laringe, do estômago, do rim e dos ovários, bem como de doenças respiratórias não malignas.
De acordo com a UE, até 2030, meio milhão de pessoas morrerá por exposição ao amianto |
Quando solto ou desgastado pelo tempo, o amianto liberta pequenas partículas de fibra ou pó que, dispersas no ar, são inaladas e se alojam nas vias respiratórias e nos pulmões. A inalação pode ocorrer quando o trabalhador está a manusear materiais com amianto, mas também quando, não estando, partilha o espaço com outros que estão.
Apesar do ar ser a forma privilegiada de entrada do amianto no organismo, a contaminação pode acontecer, ainda que com menor probabilidade, por ingestão ou exposição dérmica. A ingestão de amianto pode dar-se através de água contaminada pela desintegração do amianto em tubagens, caixas de água ou outros materiais transportados pela chuva. Por seu turno, se utilizados os devidos equipamentos de protecção individual, a pele dificilmente se torna uma “porta de entrada” do amianto.
Apesar de tardio, é preciso conhecer a verdadeira extensão da presença de amianto nos edifícios e equipamentos públicos! Sem mais demoras, o Governo tem que cumprir a lei e sem mais desculpas nem porquês, tem que fazer e tornar pública a respectiva inventariação e definir no tempo um plano de acção para a remoção e substituição dos materiais que contêm amianto.
E neste quadro, exigimos que se tomem as medidas adequadas de protecção dos trabalhadores e se cumpram as normas estabelecidas no Decreto-Lei nº 266/2007, de 24 de Julho (ver referências).
Nos casos em que está prevista a mudança de instalações – como é o caso dos trabalhadores da DGEG que estão na Av. 5 de Outubro, em Lisboa – estas têm que ser concretizadas e não podem estar à espera de apoios de um qualquer quadro comunitário!
A segurança e saúde no trabalho não podem, de forma alguma, estar submetidas a ditames economicistas e a maximização do lucro não pode continuar a sobrepor-se à vida e à saúde das pessoas.
Em defesa dos interesses supremos dos trabalhadores, o STAL continuará atento aos desenvolvimentos em torno do amianto e tudo fará para garantir o direito à saúde e segurança de todos os que intervêm em espaços ou estruturas contaminadas e o apoio a todos os que viram a sua saúde diminuída pela exposição ao amianto.
Pena de prisão para fabrico e comercialização de amianto (2012) Tribunal de Turim condena controladores da empresa Eternit, Investigador suíço Stephen Schmidheiny e Barão belga Louis de Cartier de Marchienne a 16 Anos de prisão pela morte de 1830 pessoas e pelos danos à saúde de 1027 outras. |
- http://www.cgtp.pt/trabalho/hig-seg-saude/132-o-amianto-em-portugal (acedido 17.02.2014)
- http://www.revistaseguranca.com/index.php?option=com_content&task=view&id=254&Itemid=61 (acedido 17.02.2014)
- http://www.publico.pt/ecosfera/noticia/amianto-mata-39-pessoas-por-ano-em-portugal-1623772 (acedido 17.02.2014)
- http://www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano1011/amianto/amianto/Amianto_arquivos/Page266.htm (acedido 17.02.2014)
- http://fetraconspar.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14336:trabalhadores-estao-no-centro-das-discussoes-sobre-banimento-do-amianto&catid=169:brasil&Itemid=82 (acedido 19.02.2014)
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- http://www.pcp.pt/atitude-do-governo-relativamente-aos-edif%C3%ADcios-p%C3%BAblicos-com-amianto (acedido 24.02.2014)
- http://www.pcp.pt/remo%C3%A7%C3%A3o-de-todas-coberturas-de-amianto-das-escolas-vila-nova-de-gaia (acedido 24.02.2014)
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- http://www.renastonline.org/temas/amianto-asbesto (acedido 25.02.2014)
- http://saudeambiental.net/2008/07/o-fibrocimento-o-amianto-e-as-nossas-minhas-duvidas.html (acedido 25.02.2014)
- http://www.publico.pt/sociedade/noticia/governo-possui-ha-anos-listas-de-edificios-que-podem-ter-amianto-1625676 (acedido 25.02.2014)
- http://www.publico.pt/portugal/noticia/o-que-o-governo-ja-sabia-sobre-os-edificios-com-amianto-1625698 (acedido 25.02.2014)
- http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Vida/Interior.aspx?content_id=3661126 (acedido 26.02.2014)
- Resolução da Assembleia da República nº 64/98, de 9 de Outubro, que aprova, para ratificação, a Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a segurança na utilização do amianto
- Resolução da Assembleia da República nº 32/2002, de 16 de Maio, que recomenda ao Governo a inventariação de todos os edifícios públicos que contenham na sua construção placas de fibrocimento e proceda à sua remoção e à sua substituição por outros materiais, revogada pela Resolução da Assembleia da República nº 24/2003, de 13 de Março
- Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de Junho, que transpõe para o ordenamento jurídico a Directiva nº 1999/77/CE, da Comissão, de 26 de Julho, relativa à limitação da colocação no mercado e da utilização de produtos que contenham amianto
- Decreto-Lei nº 266/2007, de 24 de Julho, relativo à protecção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho
- Lei nº 2/2011, de 9 de Fevereiro, relativa à remoção de amianto em edifícios, instalações e equipamentos públicos
- Portaria nº 40/2014, de 17 de Fevereiro, que aprova as normas para a correcta remoção dos materiais contendo amianto, e para o acondicionamento dos respectivos resíduos de construção e demolição gerados, seu transporte e gestão