ANÁLISE DA CGTP-IN
Razões para combater
as propostas do governo PSD/CDS para a legislação laboral
Num momento em que se agravam as condições de vida, o Governo PSD/CDS apresentou um conjunto de propostas de alteração à legislação laboral que, caso se concretizem, representari am mais um ataque aos direitos dos trabalhadores e o aprofundamento do modelo assente nos baixos salários e na precariedade laboral.
A proposta de alteração da legislação laboral visa promover mudanças significativas no Código do Trabalho e atender às exigências das associações patronais, tendo sido apresenta das com a justificação da necessidade de flexibilizar uma legislação que referem como "demasiado rígida" - a mesma e estafada tese que é aplicada há mais de 20 anos -fazendo tábua rasa das consequências para os trabalhadores das sucessivas e negativas alterações introduzidas desde que entrou em vigor o Código do Trabalho.
Propondo mudanças em mais de cem artigos, com indisfarçado entusiasmo das confederações patronais, as medidas configuram um assalto aos direitos dos trabalhadores e visam a perpetuação e agravamento dos baixos salários, promovem a desregulação dos horários, multiplicam os motivos e alargam os prazos para os vínculos precários, facilitam os despedi mentos e limitam a defesa e reintegração dos trabalhadores, atacam os direitos de maternidade e paternidade, facilitam a caducidade e promovem a destruição da contratação colectiva, atacam a liberdade sindical e o direito de greve, impondo limitações que ferem de forma pro funda estes direitos fundamentais.
Consequentemente, passamos a apresentar um resumo das principais alterações propostas e seus impactos. Organizámos as matérias em blocos temáticos, sendo certo que a profundidade e alcance das alterações propostas devem ser analisadas de forma articulada. A título de exemplo, destacamos os efeitos ao nível das retribuições, considerando a possibilidade do pagamento do subsídio de férias e de Natal em duodécimos, sendo certo que o ataque à contratação colectiva, o fomento da precariedade, a desregulação dos horários, ou entre outras matérias que são tratadas de forma autónoma, as alterações no regime de parentalidade, também têm efeitos negativos, directos e/ou indirectos, ao nível da retribuição.
a) Contratos a termo
- Alteração proposta pelo governo: alargamento dos motivos justificativos da celebração de contratos a termo (lançamento de nova actividade ou início de funcionamento de empresa sem sujeição a quaisquer restrições; contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração; reformados por invalidez ou velhice). A duração dos contratos a termo certo aumenta para 3 anos (actualmente 2 anos) e a termo incerto para 5 anos (actualmente 4 anos). É revogado o limite de duração total das renovações. O contrato a termo com reformados é ainda mais precário: vigora por 6 meses, renovável por iguais períodos, sem limite máximo e sem direito a compensação por caducidade. Alargamento dos contratos a termo de muito curta duração a todas as empresas, independentemente do sector de actividade.
- Consequências para os trabalhadores: ampliação significativa da possibilidade de celebrar contratos a termo, aumentando a precariedade laboral e a instabilidade na vida dos trabalha dores sujeitos a estes vínculos de trabalho. Os trabalhadores ficam sujeitos a períodos mais longos de incerteza. No caso do contrato com reformados torna-se ainda mais precário.
- Porque é que tem de ser evitada: aprofunda a precariedade e dificulta a transição para contra tos sem termo, minando a segurança no emprego e a estabilidade profissional e pessoal dos trabalhadores, contribuindo para criar uma massa de trabalhadores que se perpetuará no cir cuito da precariedade laboral, auferindo menores salários e usufruindo de piores condições de trabalho.
- O que é que a CGTP-IN propõe: a CGTP- IN exige que a cada posto de trabalho permanente seja ocupado por um trabalhador com vínculo efectivo. Para combater a precariedade é fundamental combater as suas causas, logo, é fundamental restringir ao máximo a celebração de contrato com vínculo precário. Para tal, devem restringir-se os motivos justificativos previstos na lei, limitar-se o número de renovações e reduzir-se a duração máxima possível destes vínculos. Por outro lado, é fundamental aumentar as exigências legais em matéria de justificação do recurso aos vínculos não permanentes. O regime dos contratos a termo de muito curta duração deve ser revogado.
b) Trabalho temporário
- Alteração proposta pelo governo: quando o contrato de utilização de trabalho temporário for nulo, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e não à empresa utilizadora como sucede actualmente.
- Consequências para os trabalhadores: fim de um importante mecanismo de dissuasão do recurso ao trabalho temporário fraudulento. As empresas utilizadoras deixam de ser penaliza das, e os trabalha dores perdem um benefício importante e veem assim perpetuada a sua condição de "trabalhador com vínculo precário", continuando ligados à empresa de trabalho tem porário para serem cedidos a utilizadores em permanente situação de instabilidade.
- Porque é que tem de ser evitada: remove uma salvaguarda que protegia os trabalhadores em casos de nulidade do contrato de trabalho temporário, incentivando o uso indevido deste tipo de vínculo e removendo o efeito dissuasor do trabalho temporário que tal prática representava.
- O que é que a CGTP-IN propõe: tal como com o contrato a termo, também o trabalho temporário deve reduzir-se drasticamente. Para tal é fundamental restringi-lo através da redução dos respectivos motivos justificativos e criar barreiras legais que impeçam a utilização de trabalhadores temporários para ocupar postos de trabalho permanentes.
c) Revogação do Regime da Proibição de Terceirização de Serviços na Sequência de Despedimento
- Alteração proposta pelo governo: revogação da proibição de recorrer à terceirização de ser viços por 12 meses após um despedimento colectivo ou extinção de posto de trabalho.
- Consequências para os trabalhadores: permite que o despedimento funcione como ponte para o outsourcing (externalização), levando à substituição de trabalhadores por serviços mais baratos, aprofundando a precarização e o enfraquecimento da contratação colectiva.
- Porque é que tem de ser evitada: permite que as empresas utilizem a externalização de serviços como forma de contornar os direitos dos trabalhadores, promovendo a desregulação das relações de trabalho e a redução dos custos laborais.
- O que é que a CGTP-IN propõe: a um posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo efectivo. Se este princípio for cumprido, as empresas não poderão contratar, seja através de trabalho temporário, seja de externalização (terceirização, Outsorcing), para embaratecerem os custos do trabalho e retirarem direitos aos trabalhadores.
d) Trabalho intermitente
- Alteração proposta pelo governo: possibilidade de regulação por instrumento de regulamentação colectiva (IRCT) em sentido menos favorável ao trabalhador. A duração da prestação de trabalho pode ser reduzida para um mínimo de 3 meses (actualmente 5 meses).
- Consequências para os trabalhadores: agravamento das condições de trabalho intermitente, permitindo maior flexibilidade em favor da entidade patronal. Redução do período mínimo de trabalho intermitente, aumentando a descontinuidade, intermitência e, consequentemente, a instabilidade para o trabalhador.
- Porque é que tem de ser evitada: aumenta a desregulação e a instabilidade dos horários de trabalho, dificultando a organização da vida dos trabalhadores e a garantia de um rendimento estável.
- O que é que a CGTP-IN propõe: todos os trabalhadores devem ter direito a um vínculo estável, previsível e conciliável com as suas necessidades. Nesse sentido, estas formas de contratação devem ser revogadas evitando a generalização de formas de trabalho que perpetuem a insegurança dos trabalhadores.
e) Trabalhadores independentes em situação de dependência económica
- Alteração proposta pelo governo: restrição dos trabalhadores independentes considerados em situação de dependência económica, passando a exigir que prestem pelo menos 80% da sua actividade a uma única entidade contratante (actualmente são 50%).
- Consequências para os trabalhadores: um maior número de trabalhadores independentes ficará desprotegido, perdendo o enquadramento de "trabalhador independente em situação de dependência económica", o que indicia a situação de "falsos independentes", e as proteções associadas, mesmo que trabalhem predominantemente para uma única entidade.
- Porque é que tem de ser evitada: aumenta a vulnerabilidade de muitos trabalhadores "falsos independentes" e em situação de dependência económica, que na prática dependem de uma única entidade, mas que perderão protecções laborais essenciais, facilitando a precariedade.
- O que é que a CGTP-IN propõe: neste quadro a CGTP-IN propõe o reforço da fiscalização e das atribuições e recursos da ACT, bem como os mecanismos legais que impliquem um mais fácil e rápido reconhecimento dos vínculos como vínculos de trabalho. Propõe também uma presunção de laboralidade mais simples de preencher, centrada nas necessidades dos trabalhadores e não das empresas, devendo afirmar-se o princípio, segundo o qual, para um posto de trabalho permanente, corresponda um vínculo laboral efectivo.
f) Trabalhadores das plataformas digitais
- Alteração proposta pelo governo: a presunção de laboralidade dos trabalhadores das plataformas digitais, que prevê os requisitos a que deve obedecer uma relação jurídica para que possa ser classificada como uma relação de trabalho, é remetida para a presunção geral do artigo 12.º do Código do Trabalho, aplicável à generalidade dos casos, aumentando o número de requisitos a verificar para que a presunção se aplique, dificultando ainda mais o reconhecimento de existência de contrato de trabalho, com as consequências que tal tem para os direitos dos trabalhadores. Para além disso ainda prevê que as normas constantes do Código do Trabalho, em contrato de trabalho com plataforma digital, só sejam aplicáveis na medida em que "não sejam incompatíveis com a natureza da actividade desempenhada", abrindo a porta a uma relação de trabalho de segunda categoria.
- Consequências para os trabalhadores: forte restrição da possibilidade de presumir a existência de contratos de trabalho com as plataformas digitais. Esta alteração é vista com agrado pelas empresas do sector (como a Uber e Glovo), permitindo contornar a jurisprudência que tem vindo a considerar a existência de contratos de trabalho para estafetas.
- Porque é que tem de ser evitada: legitima e aprofunda a precariedade no trabalho nas plataformas digitais, dificultando o reconhecimento de direitos laborais para estes trabalhadores e ignorando o progresso feito pela jurisprudência e pela batalha jurídica feita nos tribunais.
- O que é que a CGTP-IN propõe: o enquadramento de todas estas práticas laborais na legislação laboral vigente, exigindo que estas empresas digitais cumpram as mesmas leis e tenham as mesmas obrigações que as demais, não abrindo a porta a tipologias contratuais diferentes ou formas mais precárias de regulação das respectivas relações laborais.
a) Banco de horas
- Alteração proposta pelo governo: reposição integral do banco de horas individual que está revogado e do banco de horas grupal original, com revogação do banco de horas instituído por referendo, visando facilitar, ainda mais, a sua implementação.
- Consequências para os trabalhadores: permite o alargamento do tempo de trabalho por parte da entidade patronal sem compensação adicional imediata, levando a uma desregula ção acentuada dos horários, dificultando a conciliação da vida pessoal com a profissional e promovendo uma maior individualização da relação de trabalho.
Porque é que tem de ser evitada: a reposição dos bancos de horas é uma das medidas mais lesivas para o tempo de trabalho dos trabalhadores, aumentando a sua disponibilidade, a imprevisibilidade e a carga horária, acentuando a dificuldade de gerir a sua vida pessoal e familiar. - O que é que a CGTP-IN propõe: a revogação dos bancos de horas bem como de outros regi mês de flexibilização do tempo de trabalho como as adaptabilidades individual ou grupal. O prolongamento da jornada de trabalho deve remeter-se a situações excepcionais, sendo enquadrado no regime do trabalho suplementar, em conformidade com as excepções previstas na lei e devidamente remunerado.
b) Isenção de horário de trabalho
- Alteração proposta pelo governo: alargamento das categorias de trabalhadores que podem ter isenção de horário.
- Consequências para os trabalhadores: mais trabalhadores ficarão sujeitos a regimes de isenção de horário, o que pode implicar um aumento não remunerado da carga horária, ou remunerado de forma indevida, sem controlo rigoroso e com impacto na sua vida pessoal.
- Porque é que tem de ser evitada: facilita a prestação de trabalho sem um horário definido e sem compensação adequada pelo tempo de trabalho adicional, podendo levar a abusos e à deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores.
- O que é que a CGTP-IN propõe: a isenção e horário deve limitar-se a cargos de elevada responsabilidade, mediante condições retributivas adequadas e justas e prevendo sistemas de compensação do tempo de descanso perdido, aspectos que devem remeter-se para a contratação colectiva de trabalho.
e) Regime de faltas em antecipação ou prolongamento das férias
- Alteração proposta pelo governo: introdução da possibilidade de faltas até dois dias por ano a usar antes ou depois do período de férias, com perda de retribuição. A entidade patronal pode recusar apenas com fundamento em necessidades imperiosas da empresa.
- Consequências para os trabalhadores: implica perda de retribuição, sem melhorar os direitos dos trabalhadores.
- Porque é que tem de ser evitada: cria uma falsa benesse que, na prática, penaliza os trabalhadores com a perda de remuneração por dias de descanso adicionais.
- O que é que a CGTP-IN propõe: o aumento do período anual de férias, garantindo o direito a pelo menos 25 dias úteis de férias anuais, sem sujeição a quaisquer condicionalismos e sem perda de direitos.
- Alteração proposta pelo governo: introdução da possibilidade de pagamento do subsídio de férias e de Natal em duodécimos.
- Consequências para os trabalhadores: o pagamento dos subsídios em duodécimos pode ter "efeitos perversos", prejudicando a gestão financeira dos trabalhadores ao diluir montantes que historicamente são recebidos em momentos específicos. Esta medida, serve, para per petuar os baixos salários em relação aos fins a que são destinados, mantendo-os em níveis insuficientes para a satisfação das necessidades diárias dos trabalhadores.
- Porque é que tem de ser evitada: pelo facto de ter como objectivo mascarar os baixos salários. O trabalhador pode ver-se arrastado para uma situação em que tem de abdicar dos seus direi tos para fazer face a despesas essenciais à sua sobrevivência, dada a insuficiência do salário.
- O que é que a CGTP-IN propõe: para além de um aumento geral e significativo dos salários, de modo a que seja possível ao trabalhador fazer face às suas despesas regulares, quer o subsídio de férias, quer o de Natal têm funções específicas, que consistem no direito a usufruir de um tempo anual de recuperação e repouso com qualidade, bem como a fazer face às despe sas familiares resultantes de uma época festiva importante para a família, devendo os mes mos ser pagos aquando desses eventos, sob pena de a sua importância se diluir e, com o tem po, os trabalhadores perderem este direito.
a) Facilitação da Extinção de Crédito através de renúncia do trabalhador a créditos laborais que lhe são devidos (Remissão Abdicativa)
- Alteração proposta pelo governo: alteração do n.º 3 artigo 337.º do Código do Trabalho, que impede os trabalhadores de renunciarem antecipadamente a créditos laborais que lhes são devidos, excepto quando tal é feito através de transação judicial (acordo homologado por juiz), substituindo esta excepção pela exigência de renúncia através de declaração escrita reconhecida notarialmente (também por advogado ou solicitador) nos termos da lei.
- Consequências para os trabalhadores: os trabalhadores ficam mais vulneráveis a pressões da entidade patronal para renunciar a créditos devidos no momento da cessação do contrato de trabalho, prejudicando os seus interesses.
- Porque é que tem de ser evitada: esta alteração é um retrocesso na proteção dos trabalhadores, expondo-os a situações de abuso e renúncia indevida de direitos, nomeadamente de créditos que por justiça lhe são devidos.
- O que é que a CGTP-IN propõe: a lei deve estabelecer que os créditos laborais, dada a sua natureza alimentícia, têm um carácter irrenunciável, sendo por isso um direito indisponível dos trabalhadores.
b) Dispensa da fase de instrução em processo disciplinar
- Alteração proposta pelo governo: alargar a simplificação do processo disciplinar às pequenas e médias empresas (a maioria das empresas em Portugal), dispensando a realização de instrução por iniciativa do trabalhador, o que significa não realizar as diligências probatórias e não ouvir as testemunhas que o trabalhador pede.
- Consequências para os trabalhadores: as garantias de defesa dos trabalhadores em processo disciplinar são reduzidas, porque ficam impedidos de apresentar provas e ouvir testemunhas que ajudem a contrariar os factos de que são acusados e de fazer prova de novos factos em sua defesa.
- Porque é que tem de ser evitada: porque viola as garantias de defesa dos trabalhadores nos processos de despedimento com alegação de justa causa, facilitando o despedimento.
- O que é que a CGTP-IN propõe: que se mantenham todas as garantias de defesa do trabalha dor no processo disciplinar, como garantia do cumprimento do princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa.
c) Alterações que dificultam a reintegração do trabalhador
- Alteração proposta pelo governo: dificulta o pedido de reintegração pelo trabalhador quando este intente acção para apreciação judicial do despedimento, na sequência de um despedimento que o trabalhador considere ilícito. É introduzida a obrigação de o trabalhador prestar caução à ordem do tribunal no caso de o pedido conter a opção pela reintegração (caso apenas peça o pagamento de créditos devidos, a caução não é necessária). Alarga-se a todas as empresas (e não apenas às microempresas) a possibilidade de a entidade patronal reque rer judicialmente a exclusão da reintegração do trabalhador, mediante a fundamentação de determinados factos e circunstâncias impeditivas.
- Consequências para os trabalhadores: dificulta ou impede que os trabalhadores solicitem a reintegração em caso de despedimento ilícito, especialmente por razões económicas, e aumenta o poder da entidade patronal para evitar a reintegração do trabalhador.
- Porque é que tem de ser evitada: retira aos trabalhadores um importante direito de defesa contra despedimentos ilícitos, incentivando práticas abusivas por parte das entidades patronais e diminuindo a sua segurança no emprego. Corresponde na prática à neutralização do princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa e, logo, ao enfraquecimento do princípio da segurança no emprego.
- O que é que a CGTP-IN propõe: a possibilidade de reintegração constitui a maior garantia de defesa contra um despedimento ilícito. Neste sentido, defendemos a revogação da possibilidade de afastamento da reintegração a requerimento das empresas, determinando-se que apenas o trabalhador possa optar pela reintegração ou pagamento de indemnização.