É INDISPENSÁVEL CONHECER MELHOR A NOSSA REALIDADE E OS PROBLEMAS
É preciso garantir que este regime traz benefícios para os trabalhadores e para os Serviços Públicos, que não agrava as clivagens entre profissões e entre homens e mulheres, assegurando-se que seja voluntário, reversível e limitado, e com total compensação pelas despesas adicionais.
A Comissão Europeia (CE) lançou uma consulta aos parceiros sociais sobre o teletrabalho, que assumiu forte expressão durante a Covid-19, como consequência das medidas de confinamento, e da pressão exercida pelo patronato que, rapidamente, vislumbrou um caminho para intensificar a exploração. Passado esse tempo, de má memória, marcado por numerosas ilegalidades e violações de direitos laborais e sindicais, os dados parecem confirmar que o teletrabalho veio para ficar.
Em Portugal, no 2.º trimestre de 2024, mais de um milhão de pessoas trabalharam em casa e, destas, cerca de 403 mil combinaram trabalho presencial com o remoto, o número mais elevado desde 2022 (“Público”,7/08/24); ao passo que, nos 27 países da União Europeia, entre 2019 e 2022, a percentagem de trabalhadores em teletrabalho passou de 11,1% para 21,9% (dados da Federação Sindical Europeia de Serviços Públicos - FSESP).
Na sequência, 12 países, entre os quais Portugal, actualizaram o regime legal sendo que, no nosso caso (Lei 83/2021), como a CGTP-IN denunciou, não resolveu grande parte dos problemas fundamentais com que os trabalhadores se confrontam: isolamento, risco de individualização/privatização da relação laboral, despesas acrescidas, respeito pela privacidade, agravamento de riscos para a saúde.
RESPEITAR DIREITOS SINDICAIS…
A questão central, como a FSESP afirma na resposta à CE, é garantir que este regime traz benefícios para os trabalhadores e para os Serviços Públicos e não agrava as clivagens entre profissões e entre homens e mulheres.
Nesse sentido, é fundamental assegurar que o teletrabalho é voluntário, reversível e limitado, com total compensação pelas despesas adicionais. A igualdade de remuneração, as condições de trabalho, o acesso às promoções, as medidas anti-discriminatórias, a igualdade entre homens e mulheres e os direitos sindicais devem ser respeitados. Também não deve ser parte de uma estratégia de redução de custos. Os trabalhadores não podem ser obrigados a sair das instalações da entidade patronal.
O direito de solicitar o teletrabalho deve ser com base na natureza das tarefas e não nas categorias profissionais, contribuindo para colmatar o fosso entre trabalhadores. Os empregadores devem ter a possibilidade de recusar, mas devem justificar as suas decisões com base em critérios objectivos e equitativos.
As avaliações dos riscos para a saúde aos ambientes de teletrabalho devem ter em conta factores como o género, e potenciais riscos como a violência de género, a ciberviolência e psicossociais, por exemplo, longas horas de trabalho, conexão constante, o isolamento e preocupações físicas como as lesões músculo-esqueléticas e as condições ergonómicas.
Os equipamentos devem ser inteiramente suportados pelos empregadores, que são igualmente responsáveis pelos acidentes de trabalho, e deve exigir-se o acordo de trabalhadores e empregadores para que inspectores de trabalho e sindicatos tenham acesso aos escritórios em casa.
… A PRIVACIDADE E O DIREITO A “DESLIGAR”
Os trabalhadores, quer estejam nas instalações da entidade empregadora, ou em teletrabalho, devem manter o direito à privacidade e não ser sujeitos a vigilância indevida, sendo que as conclusões da Agência Europeia para a Saúde e Segurança no Trabalho indicam que a vigilância afecta uma maior percentagem de mulheres em teletrabalho em comparação com os homens.
Em relação ao direito a “desligar”, o fundamental é aplicar, e fiscalizar, o que já está previsto na legislação europeia e nacional sobre o tempo de trabalho: pausas diárias, descanso diário mínimo, tempo máximo de trabalho, para melhorar a saúde e a segurança no trabalho dos teletrabalhadores e de todos os que utilizam as tecnologias de informação e comunicação para trabalhar.
Respeitar a negociação colectiva, negociando as disposições relativas ao teletrabalho, perante a abundância de regulamentos internos, assegurando que este beneficia tanto os trabalhadores como as organizações, identificando por exemplo, preventivamente, as razões que determinam o regresso ao trabalho presencial.
É necessário garantir que a implementação do teletrabalho nos Serviços Públicos tenha em conta aspectos como a segurança, as infra-estruturas, a protecção de dados, a iliteracia tecnológica e a necessidade de contacto pessoal com os utilizadores dos Serviços Públicos, garantindo o acesso em igualdade de condições.
Sendo indispensável conhecer melhor a nossa realidade e os problemas, uma coisa é certa: só a luta garante os direitos dos trabalhadores em teletrabalho.