MARIANA VIOLANTE
O problema da habitação atinge muitos trabalhadores e estudantes, as famílias em geral. Também aqui, só a união, a solidariedade e o trabalho em comunidade poderão contribuir para resolver esta situação.
Estipula o artigo 65.º da nossa Constituição que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
Afirmar e exigir o direito à habitação não significa que se exija que o Governo “dê casas a toda a gente”. Este contra-argumento básico de quem critica o activismo e os movimentos pela Habitação é muitas vezes utilizado para desviar a atenção do problema na sua raiz: a falta de políticas públicas concretas que concretizem este direito.
No referido artigo 65.º, os números seguintes à primeira afirmação estipulam muito especificamente o que há a fazer e – espantem-se! – em nenhum momento menciona a distribuição generalizada de casas.
Aliás, o que dizem os números seguintes deste artigo fundamental da nossa democracia — e que está em incumprimento — é precisamente que este direito deverá ser garantido por um conjunto de várias políticas públicas para que as pessoas consigam ter acesso justo a habitação.
O que nos impede de ter habitação digna a preços justos e comportáveis com condições de habitabilidade confortáveis não é haver muita procura para pouca oferta (existem muitas casas por ocupar e recuperar); não é falta de construção (há muito prédios recém-construídos vazios, vendidos a grandes grupos económicos e ‘fundos abutres’ que usam casas como activos para especulação financeira); não é haver senhorios que arrendam, a 30 imigrantes desesperados, uma casa em péssimas condições. Esta realidade existe, é certo, mas o problema fundamental não são os inquilinos, são as circunstâncias em que eles actuam.
OS ÍMPETOS GANANCIOSOS DO CAPITALISMO
Quais são, então, as circunstâncias que impedem o cumprimento do nosso direito a ter uma casa onde morar? São as circunstâncias do mercado desregulado, selvagem, sem qualquer tipo de limites regras ou políticas. Actualmente, em Portugal e numa boa parte do Mundo, a habitação é a área social em que melhor se vê o que acontece quando se deixa o “mercado” funcionar livremente, sem nada que ponha travão aos ímpetos gananciosos da estrutura capitalista em que vivemos: caos, injustiça, privações, ausência de respostas públicas para a população em geral, e as vulneráveis em particular.
No nosso país, há pessoas que trabalham e que, no final do dia, regressam para a rua, e não para uma casa. O problema da habitação é um problema de muitos trabalhadores e estudantes, das famílias em geral. Também aqui, só a união, a solidariedade e o trabalho em comunidade poderão resolver esta situação.
Da mesma forma que lutamos e conquistamos os nossos direitos laborais nas acções de luta e greves, também para este problema teremos de vir para a rua, para os locais de decisão política, para as vizinhanças, associações e cooperativas.
O problema de base é o mesmo, e a solução também: destruir os mecanismos que nos oprimem com a força do esclarecimento, da união e da exigência de acção concreta!
NOVO PERFIL DE EXCLUSÃO SOCIAL: MAIS JOVENS, MULHERES E MIGRANTES
Aumenta número de “sem-abrigo trabalhador”
Especulação imobiliária, “boom” do turismo, baixos salários e precariedade laboral “empurram” muitos para a vivência ao relento, numa tenda ou construção devoluta.
Está a aumentar o número de pessoas que, apesar de trabalhar, ter um rendimento mensal ou estando inseridas em formações pagas, não consegue assegurar a renda de uma casa ou sequer de um quarto, sobretudo em Lisboa.
Este fenómeno foi identificado como um dos factores que contribuíram para a subida acentuada do número de sem-abrigo em 2023, cujo novo perfil de exclusão foge ao tradicional (associado a dependências ou situações crónicas): auferem salários baixos e têm trabalhos maioritariamente precários.
Este perfil de “sem-abrigo trabalhador” – com mais jovens, mulheres e migrantes a enfrentarem esta realidade – é recente e coincide com a prolongada especulação imobiliária e o actual “boom” do turismo. Os dados mais recentes revelam um aumento preocupante do número de pessoas sem-abrigo em Portugal. Em 2023, foram identificados 13.128 casos (+23% face a 2022), mais do dobro dos registados em 2018, com Lisboa a liderar com 3.378 pessoas sem-abrigo, enquanto a Área Metropolitana contabilizou 4.871 casos (um crescimento de 50% nos últimos cinco anos).
Perante este autêntico flagelo social, é urgente definir a habitação como prioridade nacional, devendo o Estado assumir, em pleno, o seu primordial papel enquanto garante do direito constitucional à habitação.