LUÍS CORCEIRO | ADVOGADO
A única riqueza convertida em rendimentos que, com toda a certeza, é devolvida à economia, em forma de aquisição de bens e serviços, é precisamente o rendimento do trabalho. O aumento significativo dos salários corresponde à necessidade de justiça social e de distribuição justa da riqueza gerada pelos trabalhadores.
Lá por sermos adultos… o certo é que ainda nos contam histórias da Carochinha. O curioso dessa história da vida real é que o João Ratão – os que tudo comem e não deixam nada – estão do lado de lá e pretendem enganar quem por cá trabalha, como a Carochinha.
As famílias, logo os consumidores – os trabalhadores, portanto –, figuram entre os principais agentes económicos. Contudo, gastam as palavras a incutir-nos a ideia de que só as empresas e os empresários seriam agentes da economia, o que é falso.
O discurso do “disco riscado” está em toda a parte: uma empresa serve para gerar o máximo lucro possível, para a seguir poder converter esse lucro em prol do desenvolvimento, logo em proveito da sociedade e do emprego. Mais uma vez falso. Fosse assim e teríamos um retrato bem diferente de um país próspero, mas capitalista, de pleno emprego, e máxima distribuição equitativa de riqueza.
Na verdade, a única riqueza convertida em rendimentos que, com toda a certeza, é devolvida à economia, em forma de aquisição de bens e serviços, sendo reintroduzida no circuito económico, é precisamente o rendimento do trabalho. Os trabalhadores, os únicos que produzem riqueza, são duplamente agentes económicos e força produtiva, agindo no seio das empresas para gerar riqueza e fora das empresas como agentes de consumo e motores de desenvolvimento.
Para essa dupla função, os trabalhadores necessitam de salários justos, que quanto mais elevados forem melhor interferem no desenvolvimento dos circuitos comerciais de bens e serviços. Mesmo pensando capitalista, só com salários elevados garantidos pelo trabalho é que certos países europeus nos idos anos de setenta e oitenta atingiram níveis de vida e de conforto social que o nosso país nunca conheceu.
Ao contrário, os lucros do patronato só são devolvidos à economia produtiva e consignadas ao desenvolvimento social na exacta medida em que tais lucros possam gerar novos e mais lucros. O propósito do lucro capitalista é de novo o lucro e só o lucro, o lucro pelo lucro. Em 2024 os patrões responderam à subida do salário mínimo reduzindo os aumentos salariais dos outros trabalhadores, e em 2025 irão, provavelmente, agir do mesmo modo, a pensar no lucro.
JOÃO RATÃO ENCHE OS BOLSOS À CUSTA DA CAROCHINHA
Em Portugal, temos 19 grupos económicos que, por dia, acumulam 32 milhões de euros de lucros. Tais lucros retiram à massa do trabalho 1,33 milhões de euros por hora, que não são devolvidos nem à economia produtiva e muito menos à sociedade através dos salários aumentados. E se isso por si não fosse já escandaloso, o Estado oferece-lhes ainda, e de “mão beijada”, milhões do Orçamento do Estado em benefícios fiscais, parcerias privadas, concessões, desvios do SNS para o negócio privado da saúde e quase sempre negócios ruinosos com multinacionais e especuladores de toda a espécie.
No campo do trabalho, cerca de 2,7 milhões de trabalhadores, quase metade, recebem apenas até 1000 euros brutos por mês. Trabalham, mas arriscam ou convivem com a pobreza. Também por isso temos dois milhões de pessoas em risco de pobreza. Em 2022, 70,5% dos pensionistas (por velhice e invalidez) recebiam pensões inferiores ao limiar de pobreza.
É PRECISO CONJUGAR O VERBO CONJURAR
Conjurar significa afastar um mal eminente. Esse mal, provocado pelos discursos da Carochinha e da economia que não permitiria aumentos salariais, está a impedir o bem-estar do mundo do trabalho e o verdadeiro desenvolvimento social.
É esta realidade da vida que torna imperioso e urgente o combate determinado e sem descanso pelo aumento generalizado dos salários dos trabalhadores. Só com a conquista de salários justos, aumentando o nível de vida dos trabalhadores e comprimindo os lucros dos grandes grupos económicos se conseguirá uma sociedade mais próspera, feliz e saudável. O aumento significativo dos salários corresponde à necessidade de justiça social e de distribuição justa da riqueza gerada pelos trabalhadores.
Moral da história da vida de trabalho: desengane-se a Carochinha, que não será por encontrar uma moeda de ouro que vai poder casar-se com um João Ratão. O melhor é a Carochinha esquecer o João Ratão e decidir casar-se com a luta dos trabalhadores por salários condignos e justos.