Selecção de Ermelinda Morgado
TANTO MAR
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz Primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
CHICO BUARQUE
PRIMEIRO DE MAIO
Hoje a cidade está parada
e ele apressa a caminhada
pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
pra mostrar, cheio de si,
que hoje ele é senhor das suas mãos
e das ferramentas
Quando a sirene não apita
ela acorda mais bonita
sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é o seu veludo
é o tafetá que Deus lhe deu
e é bendito o fruto do suor
do trabalho que é só seu
Hoje eles hão-de consagrar
o dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão,
faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã,
vai fiar nas malhas do seu ventre
o homem de amanhã.
CHICO BUARQUE
AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU…
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(…)
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
(…)
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
(…)
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
(…)
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
(…)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(…)
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
(…)
Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.
(…)
No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!
É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.
(…)
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém~
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
ARY DOS SANTOS
MEU 1.º DE MAIO
Todos
que marchais pelas ruas
e deteis as máquinas e as fábricas,
todos
desejosos de chegar a nossa festa
com as costas marcadas pelo trabalho,
saí a 1º de Maio,
o primeiro dos dias.
Recebê-lo-emos, camaradas,
com a voz entrecortada de canções.
Primavera,
derretei a neve.
Eu sou operário,
este dia é meu.
Eu sou camponês,
este dia é meu.
Todos,
estendidos nas trincheiras
esperando a morte infinita,
todos
os que num carro blindado
atiram contra seus irmãos,
escutai:
Hoje é 1º de Maio.
Partamos ao encontro
do primeiro dos nossos dias,
enlaçando as mãos proletárias.
Calai vossos morteiros!
Silêncio, metralhadoras!
Eu sou marinheiro,
este dia é meu.
Eu sou soldado,
este dia é meu.
Todos,
das casas,
das praças,
das ruas,
encolhidos pelo gelo invernal,
todos
torturados de fome,
das estepes,
dos bosques,
dos campos,
saí neste 1º de Maio!
Glória à gente fecunda!
Desabrochai, Primavera!
Verdes campos, cantai!
Soai sirenes e apitos!
Eu sou de ferro,
este dia é meu.
Eu sou a terra,
este dia é meu!
VLADIMIR MAIAKOVSKI