INFLAÇÃO AFECTA MAIS OS RENDIMENTOS FIXOS E MAIS BAIXOS
Em Junho, o preço médio dos bens alimentares estava 27,2% acima do registado em 2021, e 19,4% nas despesas com habitação. Duas componentes que pesam cerca de 60% no orçamento de uma família média portuguesa.
A forte subida da inflação a partir do 2.º semestre de 2021 fez com que, no nosso país, tenha passado de valores pouco acima de 0% para níveis superiores a 10% em poucos meses e anos.
Lembremo-nos que, entre 2020 e 2023, a inflação anual atingiu, sucessivamente, os -0,1%, 1,3%, 7,8% e 4,3%, o que representa um acumulado de 13,8%, aumento idêntico ao que ocorreu nos 12 anos anteriores (2008 a 2019).
A inflação afecta, sobretudo, os trabalhadores e todos os que têm rendimentos fixos, que em períodos de elevada subida de preços nunca conseguem ter aumentos salariais superiores a essa mesma inflação e, por conseguinte, sofrem uma quebra do seu poder de compra.
Por esta pequena introdução percebemos a importância que o cálculo da inflação tem para a vida de milhões de trabalhadores, reformados e pensionistas, já que, anualmente, o seu valor serve de referencial para os aumentos salariais, as actualizações das pensões de reforma, os apoios sociais às famílias e aos trabalhadores desempregados e até mesmo para as actualizações dos escalões de IRS.
Assim sendo, vale a pena debruçarmo-nos sobre a forma como se obtêm estes valores mensais e anuais da inflação.
IMPACTOS ASSIMÉTRICOS DA INFLAÇÃO
O cálculo da inflação é feito através do acompanhamento da evolução mensal dos preços de um conjunto de bens e serviços representativos do cabaz de compras das famílias portuguesas, e que constituem o chamado Índice de Preços no Consumidor (IPC).
Esta estrutura do cabaz de compras das famílias portuguesas é, por sua vez, calculada com base no “Inquérito às Despesas das Famílias” realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a cada cinco anos.
Dito isto, é importante percebermos que os valores agregados a que o INE chega mensalmente para a inflação são sempre valores médios e, como tal, estão frequentemente longe da realidade sentida por muitas famílias portuguesas de mais baixos rendimentos.
Um estudo desenvolvido, em Abril de 2022, por um conjunto de economistas e investigadores da Universidade Nova (Maria Esteves e Susana Peralta) e da Universidade Carlos II, de Madrid (Bruno P. de Carvalho), mostrou-nos os impactos assimétricos da inflação sobre as despesas essenciais e rendimentos das famílias.
Tendo por base os resultados desagregados do “Inquérito às Despesas das Famílias” de 2015/2016, o que estes investigadores nos mostraram foi que as famílias de mais baixos rendimentos (grande parte delas constituídas por trabalhadores por conta de outrem, reformados e pensionistas) apresentam uma estrutura das suas despesas familiares bem diferente da estrutura média utilizada no cálculo do IPC e, consequentemente, da inflação.
CABAZ DE COMPRAS MENSAL
Por esta razão, dado que a subida dos preços de muitos bens e serviços consumidos pelas famílias portuguesas desde meados de 2021 se fez sentir, sobretudo, nos bens alimentares, na habitação, nos bens energéticos e nos transportes, e estes bens pesam bem mais no cabaz de compras das famílias de mais baixos rendimentos, o seu impacto foi muito maior neste grupo de famílias do que nas com rendimentos bem superiores.
Desta forma, razão têm aqueles que têm chamado à atenção para a situação cada vez mais difícil suportada por muitas famílias portuguesas que, nos últimos três anos, têm suportado uma subida de preços no seu cabaz de compras mensal bem superior àquela que aparece reflectida nos valores da inflação anualmente reportada pelo INE.
Esta é mais uma razão objectiva para que as estruturas representativas dos trabalhadores, nas suas propostas reivindicativas para 2025, não incorporem apenas a previsão da evolução da inflação, mas levem em conta que ela reflecte cada vez menos a subida de preços suportada pelos trabalhadores no seu cabaz de compras mensal.
ALIMENTOS E HABITAÇÃO “PESAM” 60% NO ORÇAMENTO FAMILIAR
O chamado “cabaz de compras mensal” das famílias de mais baixos rendimentos teve uma subida de preços bem superior à suportada por uma família média. E enquanto o nível médio dos preços do cabaz de compras de uma família, em Junho, se situava cerca de 15,8% acima do seu nível médio de 2021, já o nível médio dos preços dos bens alimentares situava-se, no mesmo período, 27,2% acima do registado em 2021, e os preços das despesas com habitação estavam 19,4% acima. Ora, as despesas com alimentação e com habitação pesam (de acordo com o último inquérito às despesas das famílias) perto de 60% do seu orçamento familiar, enquanto, em média, esse peso é de cerca de 50% do orçamento das famílias.