JOSÉ ALBERTO LOURENÇO | ECONOMISTA
DESVALORIZAÇÃO SALARIAL CONTINUA NA ADMINISTRAÇÃO LOCAL
Se nada for feito através da valorização real dos salários e das pensões, que permita aumentar o poder de compra, o nosso país corre o risco de conhecer um novo acentuar do desequilíbrio na distribuição da riqueza, em que quem trabalha tem uma fatia cada vez menor do rendimento nacional.
O congelamento/estagnação salarial na Administração Pública, e em particular na Administração Local, no período entre 2010 e 2021 conduziu a uma quebra real dos salários da globalidade destes trabalhadores de cerca de 10% - são várias as carreiras, nomeadamente os assistentes técnicos/administrativos e técnicos superiores que tiveram quebras salariais bem superiores -, que só não foi maior porque neste período os níveis da inflação permaneceram relativamente baixos em torno de 1% a 2% ao ano.
A aceleração dos níveis da inflação a partir do 2.º semestre de 2021 e a contínua luta dos trabalhadores, em especial dos trabalhadores da Administração Local, fizeram com que o actual governo incorporasse no seu próprio discurso o reconhecimento da necessidade de valorização salarial dos trabalhadores da Administração Pública.
A leitura do preâmbulo do Decreto-lei n.º 84-F/2022 de 16 de Dezembro, em que o governo aprovou os aumentos salariais da Administração Pública para o corrente ano é um exemplo bem elucidativo disso mesmo, escasseiam cada vez mais os argumentos para que prossigam as políticas de desvalorização salarial e quando assim é, muda-se o discurso e até se reconhece alguma justeza nas reivindicações dos trabalhadores, mas a prática não se altera.
Antes, objectivamente negava-se a necessidade de valorização salarial dos trabalhadores da Administração Pública, mas agora reconhece-se essa necessidade, entendendo-se que deve ser implementada uma valorização plurianual para a legislatura que, diz o governo PS, “aprofunda a estratégia de reforço dos recursos humanos da Administração Pública e que acompanha o Acordo de Rendimentos celebrados em sede de Concertação Social”. Ou seja, diz-se aos trabalhadores que têm razão, mas vão ter que esperar vários anos até que a valorização salarial se faça.
ACTUALIZAÇÕES SALARIAIS NÃO COBREM A INFLAÇÃO
A perda acumulada de poder de compra desde 2009 foi muito grande e a sua reposição poderá ter que ser faseada, mas a prática prosseguida por este governo, em 2022 e no corrente de 2023, contraria completamente o que têm vindo a dizer, já que não há sinais de qualquer valorização salarial nestes dois anos, isto é, as actualizações salariais na Administração Pública neste período nem sequer cobrem a inflação (registada e prevista), pelo que os trabalhadores da Administração Pública, e em particular os da Administração Local, vêem os seus salários degradarem-se e o seu poder de compra cair ainda mais.
Sejamos precisos: depois de uma inflação acumulada entre 2010 e 2021 de 9,4%; em 2022 a inflação foi de pelo menos, 7,8%; e para o corrente ano as últimas estimativas do Banco de Portugal (muito provavelmente optimistas) indicam que possa atingir os 5,8%.
Assim, em dois anos a inflação acumulada (14,1%) irá ultrapassar, e muito, o valor acumulado nos 12 anos anteriores (2010 e 2021).
Num exercício um pouco mais rigoroso para o universo da Administração Local, tendo por base a mais recente informação disponibilizada pela Direcção Geral da Administração Pública, referente à remuneração base média mensal bruta desde 2021 até ao Outubro de 2022 – e aplicando aos valores médios mensais dessas remunerações, as actualizações salariais para 2023 –, é possível obter valores aproximados da quebra real desses salários, em termos médios, para as principais carreiras da Administração Local.
É o resultado desse exercício que a aqui se apresenta, para os trabalhadores da Administração Local em geral, para os técnicos superiores, assistentes técnicos/administrativos e para os assistentes operacionais/operários/auxiliares administrativos, pessoal da carreira informática, bombeiros municipais e para os polícias municipais.
QUEBRA REAL DE SALÁRIOS
Com uma grande margem de rigor e tendo por base os dados (ao lado) podemos afirmar que os trabalhadores da Administração Local irão sofrer, em 2022 e 2023, uma quebra real média do seu salário de 6%. Por cargos e carreiras, esta quebra salarial varia entre um máximo de 10,2% nos educadores de infância e docentes do Ensino Básico e Secundário e um mínimo de 5,8% para os assistentes operacionais/operários/auxiliares administrativos.
A subida do Salário Mínimo Nacional (SMN) de 665€ em 2021 para 760€ no início do corrente ano induziu uma subida inevitável sobre os salários mais baixos da Administração Local e permitiu que esses salários vissem reposta algum do seu poder de compra. Por esta razão, a quebra no poder de compra é menor nestas carreiras. Outras carreiras da Administração Local, como os assistentes técnicos, os técnicos superiores e os dirigentes, não tendo beneficiado dessa actualização do SMN, continuam a sofrer na pele o congelamento/estagnação geral dos salários na Administração Local.
Perante esta nua e crua realidade de desvalorização permanente dos salários dos trabalhadores da Administração Local, soa sem dúvida a falso o discurso do governo de reconhecimento da necessidade da sua valorização.
INFLAÇÃO: ACIMA DAS PIORES PREVISÕES
O ano de 2022 ficará para a História não pelo seu crescimento económico – de que o governo PS se vangloria, mas que ninguém sente –, mas pela alta taxa de inflação (com a média anual a fixar-se nos 7,8%) e pelos seus impactos na degradação do poder de compra de milhões de portugueses.
E ao contrário do que o governo PS, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) nos querem fazer crer, as subidas de preços dos bens e serviços não se circunscrevem apenas aos bens alimentares e produtos energéticos, mas fazem-se sentir em muitos outros, das rendas às obras de manutenção da habitação, à aquisição de equipamento doméstico, aos serviços de correios e telecomunicações, aos serviços bancários, de refeições e alojamento, etc.
Se nada for feito através da valorização dos salários e das pensões, que permita aumentar o poder de compra, Portugal corre o risco de conhecer um novo acentuar do desequilíbrio na distribuição da riqueza, em que quem trabalha tem uma fatia cada vez menor do rendimento nacional.
Em termos comparativos, vale a pena recordar que as mais recentes previsões da inflação para 2023 são do Banco de Portugal e do FMI e apontam para um valor anual de 5,8%, enquanto o governo previu, no Orçamento de Estado para 2023, “apenas” 4%. Ora, tendo em conta que a inflação anualizada em Janeiro se situou nos 8,5%, alguém acredita (além do governo PS) que baixe para os 4% em Dezembro?