Ermelinda Morgado
DIA 152
Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.
(Poema também conhecido por "Poema de agradecimento à corja")
POETA DE COMBATE
Poeta de combate me chamaram.
De combate serei. Não mercenário!
Poeta de combate é um operário
das palavras que nunca se entregaram.
Poeta de combate! E porque não?
Sou poeta. Serei também soldado.
O meu canto será um canto armado
e o meu nome de guerra uma canção.
Poeta de combate me quiseram
os que cedo da luta desertaram
ou aqueles que nunca combateram.
Poeta de combate eu hei de ser
até quando o meu povo precisar
ou nada mais houver a combater.
NÃO TE RENDAS MEU POVO
Não te rendas meu povo. Não te rendas
às mãos de quem te quer voltar a ver
cativo e desgraçado. Não te vendas.
Aqui nada mais temos a vender!
Não te cales meu povo. Que a saudade
já não pode doer dentro de nós.
Se o teu punho constrói a liberdade
levanta ainda mais a tua voz.
Não te rendas meu povo. Não te rendas.
Que já nos querem sós. E divididos.
Que já nos querem fracos. E calados.
Não te cales meu povo. Não te vendas.
Que quando nos quiserem já vencidos
hão-de ter-nos de pé. E perfilados.
BIOGRAFIA
Joaquim Pessoa nasceu no Barreiro, em 22 de Fevereiro de 1948, e morreu em Lisboa, no passado dia 17 de Abril, vítima de doença prolongada.
Foi poeta, artista plástico, publicitário e estudioso de arte pré-histórica.
Com formação na área do marketing e da publicidade, foi director criativo e director-geral de várias agências de publicidade e autor ou co-autor de diversos programas de televisão. Foi director pedagógico e professor da cadeira de Publicidade no Instituto de Marketing e Publicidade, em Lisboa, e professor no Instituto Dom Afonso III, em Loulé.
Desempenhou durante seis anos (1988-1994) o cargo de director da Sociedade Portuguesa de Autores. Em colaboração com Luís Machado, organizou, em 1983, o I Encontro Peninsular de Poesia, que reuniu prestigiados nomes da poesia ibérica.
Tem mais de 30 livros de poesia publicados, foi um dos fundadores da cooperativa artística Toma Lá Disco, com Ary dos Santos, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Paulo de Carvalho e Luiz Villas-Boas, entre outros.
Com Carlos Mendes formou uma dupla que nos deixou das melhores e mais bonitas cantigas da música portuguesa.