JOSÉ ALBERTO LOURENÇO | ECONOMISTA
DESVALORIZAÇÃO MÉDIA DOS SALÁRIOS DE 6%, ENTRE 2021 E 2023
Soa a falso o discurso do Executivo de António Costa de reconhecimento da necessidade da valorização dos trabalhadores deste sector, quando a actualização intercalar de Abril não foi mais do que uma “migalha”, não repondo o poder de compra perdido nos últimos anos.
Pressionado por uma crescente contestação dos trabalhadores da Administração Pública, e em particular dos da Administração Local, o Governo decidiu (através do Decreto-lei 26-B/2023, de 18 de Abril) proceder a uma actualização intercalar dos salários de todos os trabalhadores da Administração Pública em 1%, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro.
Em defesa desta sua decisão, o Executivo invocou os bons resultados económicos obtidos em 2022, que permitiram a redução do défice e da dívida, e criaram uma folga orçamental que garante as condições para o reforço do caminho de valorização dos rendimentos dos trabalhadores da Administração Pública.
Como se esses resultados não fossem previsíveis há vários meses, como se os aumentos salariais na Administração Pública tivessem que depender anualmente da evolução do nosso défice e da nossa dívida, e como se o aumento intercalar que se preparava para aprovar fosse repor o poder de compra que tem vindo a ser perdido pelos trabalhadores da Administração Pública ao longo de mais de uma década.
“MIGALHAS” E NADA MAIS…
Assim dito, a opinião pública, quase sempre pouco informada sobre as condições remuneratórias em que os trabalhadores da Administração Pública – e em particular os da Administração Local – desenvolvem o seu trabalho, terá olhado para esta actualização salarial intercalar como uma resposta adequada às reivindicações destes trabalhadores.
Mas não, se como mostrámos na análise detalhada dos impactos dos aumentos salariais decididos pelo Governo em Dezembro passado para o corrente ano, a desvalorização salarial mantinha-se na Administração Local e era da ordem dos 6%, pelo uma actualização intercalar desta dimensão (1%) serão apenas “migalhas” e nada mais.
Como no passado dia 15 de Maio foi disponibilizada pela Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) informação estatística actualizada sobre as remunerações na Administração Local até em Janeiro do corrente ano, isto é, incluindo já a actualização salarial decidida pelo governo PS para a Administração Local em 2023 (Decreto-lei 84-F/2022), fizemos o exercício de actualizar essas remunerações com a actualização intercalar de 1% retroactiva a Janeiro passado.
As conclusões desse exercício para as diferentes carreiras da Administração Local e as comparações com as mesmas remunerações em 2021 estão nos quadros a seguir.
SALÁRIOS MÉDIO EM QUEDA
Tendo por base dados, que sintetizam a última informação disponibilizada pela DGAEP, verificamos que o salário base médio mensal bruto na Administração Local (primeiro quadro da série de quadros apresentados), considerando já a actualização intercalar de 1% aprovada pelo governo PS no passado mês da Abril, aumenta 9,9% em 2022 e 2023.
Mas como ao mesmo tempo nestes dois anos a inflação acumulada deverá ser de cerca de 14,1% e haverá um agravamento na taxa de retenção do IRS que incide sobre o salário médio de cerca de 2,3 pontos percentuais, o salário real médio de um trabalhador na Administração Local continuará a cair nestes dois últimos anos, em cerca de 6,6%.
Por cargos e carreiras esta quebra salarial em termos reais, varia entre um máximo de 10% nos técnicos informáticos e um mínimo de 1,9% para os assistentes operacionais/operários/auxiliares.
SOFRER NA PELE A ESTAGNAÇÃO SALARIAL
A subida do Salário Mínimo Nacional de 665 euros, em 2021, para 760 euros, no início do corrente ano, induziu uma subida inevitável sobre os salários mais baixos da Administração Local e permitiu que esses salários vissem reposta parte considerável do seu poder de compra. Por esta mesma razão, o aumento nominal bruto nestas carreiras de assistentes operacionais/operários/auxiliares deverá ser nestes dois anos (2022 e 2023) de cerca de 11,2% e, a quebra no seu poder de compra bem menor do que nas restantes carreiras da Administração Local.
Outras carreiras da Administração Local, como os assistentes técnicos e administrativos, os técnicos superiores e os dirigentes (não tendo beneficiado dessa actualização do salário mínimo nacional) continuam a sofrer na pele o congelamento/estagnação geral dos salários na Administração Local.
Perante a dimensão da desvalorização actual dos salários dos trabalhadores da Administração Local, mesmo com a actualização intercalar agora aprovada, continua a soar sem dúvida a falso o discurso do governo de reconhecimento da necessidade da sua valorização.
REVALORIZAÇÃO SALARIAL É IMPERATIVO NACIONAL
Todos os meses, ao receberem a sua folha de salário, muitos trabalhadores são confrontados com uma grande diferença entre o valor do seu salário bruto e o valor do salário que levam para casa, sendo este último sempre bem inferior ao valor do seu salário bruto.
Vejamos o caso particular do trabalhador da Administração Local: se olharmos com atenção para o recibo do seu salário mensal bruto verificamos que ao salário base mensal (a que também se chama retribuição base mensal) se soma o subsídio de almoço por cada dia de trabalho, e se pode somar o pagamento por horas de trabalho suplementares ou extraordinários e o Suplemento de Penosidade e Insalubridade, nos casos em que a função do trabalhador se enquadra nas actividades com direito a este suplemento remuneratório.
Mas subtraem-se, por outro lado, 11% do seu salário base para a Caixa Geral de Aposentações ou para a Segurança Social; 3,5% para a Assistência na Doença dos Servidores do Estado (ADSE); e uma percentagem variável e crescente para o Imposto sobre Pessoas Singulares (IRS).
Não estando em causa a necessidade de os trabalhadores contribuírem com os seus descontos mensais para a Segurança Social e para a ADSE, como forma de assegurarem no presente e no futuro os apoios sociais de que necessitam, a verdade é que grande parte dos trabalhadores da Administração Local, que já de si auferem baixos salários, depois de feitos os descontos mensais normais acabem por levar para casa salários ainda mais baixos.
Sem dúvida que, perante esta realidade, a revalorização salarial dos trabalhadores da Administração Local constitui, hoje, um imperativo nacional, pois só desta forma será possível a estes trabalhadores contribuírem solidariamente para o nosso sistema de Saúde e Segurança Social e terem direito a uma vida digna.