António Marques
SERRA DA ESTRELA
De branco vestida ou nua como a deusa Natureza ofertou o País, é sempre bela e inebriante. Situada entre o alcantilado rio Douro e o Tejo, que espreita a planície, a montanha gigante corre perpendicular à linha de fronteira.
A Serra da Estrela possui uma particularidade de sublinhar: é tão atractiva de Verão como de Inverno, mas, nesta altura do ano, quem se aventura, estrada acima, até ao alto da Torre colhe o deslumbre que a vista alcança em todo o seu esplendor, nomeadamente quando a neve tomba, em modos suaves, cobrindo as encostas com o seu manto branco, parecendo que o Mundo se vestiu para uma cerimónia do paraíso.
A Serra da Estrela possui uma força tal que os que buscam um destino diferente encontram, espalhados pelos montes, todos os ingredientes necessários para passar um bom fim-de-semana, ou mesmo mais uns dias, a brincar com as bolas de neve ou, no caso do atrevimento o permitir, calçar os skis e dar largas à diversão, encosta abaixo.
Além da neve, os seus bosques, mais que centenários, e as suas aldeias velhinhas, ocupadas por gente resiliente e muito acolhedora, são outros dos “segredos” a descobrir.
A Torre é o destino mais conhecido, por ser o local com maior altitude de Portugal continental. Trata-se de um sítio de excelência para os amantes das actividades desportivas e lúdicas ao ar livre, seja no Inverno (com a neve) ou no Verão (com caminhadas e passeios), época em que, num dia sem nuvens e para quem tem “olhos de lince”, é possível alcançar o mar da Figueira da Foz, lá bem a Oeste…
É DE COMER E CHORAR POR MAIS…
Serpenteando a estrada da Beira, que sai de Coimbra, ou subindo o IP5 ou o IP3 (estradas mais rápidas rumo a Gouveia), ou ainda a partir de Nelas, alcançando Seia, o espectáculo do cenário montanhoso impressiona.
Lugares e gentes que cantam ao som dos adufes, como em Monsanto, penhasco que abraçou, entre muitos outros, o Zeca Afonso de boa memória e o escritor Fernando Namora, médico dos mais pobres e dos mais carenciados.
Esta terra chã foi “musa” também de Aquilino Ribeiro, Eduardo Lourenço, José Cardoso Pires, Eugénio de Andrade e Miguel Torga, entre dezenas de outros vultos da cultura, que se inspiraram nas suas brenhas, covões, cântaros e poios.
Não importa a época do ano a considerar, pois todos os dias de Sol aberto são fantásticos para nos aventurarmos por essa serra além. Tal com para descobrir cheiros e sabores. De queijos e vinhos, de cabrito assado, leite-creme queimado, rojões serranos, requeijão com doce de abóbora, arroz de carqueja e feijocas à pastor, caldo de couves de desfolhar... É gente danada, esta da Serra da Estrela. É de comer e chorar por mais!
MUITOS METROS A PRECEITO
Subamos então à Torre, 1993 metros de altitude, medidos a preceito, e esqueçamos o mal que os homens fizeram ao Sabugueiro, aldeia serrana virada do avesso, sobretudo junto à estrada.
Aí vamos nós gozar a montanha, percorrer a nave de Santo António, onde a moreia do último Glaciar nos mostra a cauda. Já agora, um olhar pelas Penhas, e já se vê Manteigas, quieta no fundo do Vale do Zêzere.
Os glaciares da Estrela, que datam do quaternário, eram sete e o maior media 15 quilómetros, terminando no sítio onde hoje surge o pitoresco lugar de Manteigas, e na Várzea do Castro, pelos 600 metros de altitude. Lá ficaram os últimos blocos erráticos, grandes massas de granito arrastadas pelo gelo, mas este cenário só foi contemplado pelos nossos antepassados primitivos, contemporâneos das cavernas de Atapuerca.
Na outra encosta nasce o Mondego e, mais ao lado, junto ao Vale do Rossim, o Alva, afluente do primeiro e que ganha vida na encosta Norte, por alturas do Perdigueiro, percorrendo um caminho sinuoso entre as encostas das serras da Estrela e do Açor.
O visitante nada tem a temer da montanha, desde que não se exponha em demasia. Belos passeios pedestres o esperam, rodeado pelo ar puro e a paisagem de urze, sendo o silêncio a entrecortado, aqui e ali, pelo barulho dos chocalhos, que anunciam os rebanhos...
O pastor, essa figura lendária da serra, vestido de burel e surrobeco (manta de lã grossa, dobrada ao ombro), e de cajado vigoroso, guia as ovelhas ajudado pelos cães corpulentos. E das ervas tenras da serrania se alimentam as reses que nos dão o leite, com o qual se faz o melhor queijo do Mundo, segundo os especialistas, marcado pelo seu sabor inconfundível. Mais ainda quando acompanhado com um bom tinto do Dão...
Muitos dias seriam poucos para vos contar tudo o que há para ver, cheirar e sentir nesta serra bendita. Se um dia me perder, será lá que me vão encontrar…
À DESCOBERTA DAS PENHAS
Existem duas visitas “obrigatórias” no Inverno: as penhas (formações rochosas características desta região montanhosa), que oferecem experiências únicas na Serra da Estrela, sendo ideais para os amantes da natureza, da montanha e do turismo sustentável:
- Penhas Douradas (a cerca de 1500 metros de altitude) situa-se na estrada que liga Gouveia a Manteigas e, durante o séc. XIX, foram um destino popular para tratamentos de saúde, especialmente para doenças respiratórias, devido ao ar puro e ao clima ameno, sendo a área é rica em trilhos para caminhadas;
- Penhas da Saúde, localizadas um pouco mais próximas da Torre, igualmente a cerca de 1500 metros de altitude. É uma das principais áreas de turismo de Inverno, com hotéis, chalés e proximidade às pistas de esqui da região. No Verão é igualmente popular para actividades ao ar livre, como caminhadas e exploração da fauna e flora.