Luís Corceiro | Advogado
São 50 anos de Abril e 48 da Constituição da nossa 3.ª República. Aquela que certa direita torta, ditos fidalgos liberais, pela noite calada, outros apenas ruidosos brutamontes saudosistas, querem derrubar para implantar a 4.ª República, elitista, repressiva, sem direitos laborais e de fachada pseudodemocrática. Nós, os de Abril, gritando ergue-te ó Sol de Verão, precisamos viver por inteiro esta Constituição do futuro e do povo trabalhador.
1. TOMEMOS O PODER NAS MÃOS
A nossa Constituição diz que “o poder político pertence ao povo” (art.º 108º). Só que ao povo não é dado o poder de aumentar salários, garantir acesso aos serviços de saúde, dar casa a quem precisa e abrir perspetivas de vida aos jovens em família. Porque os mesmos de sempre, aqueles que, em nome do povo, devem fazer escolhas políticas, não estão em sintonia com os interesses do povo. É preciso avisar toda a gente que a democracia plena é a realização do princípio da soberania popular em que o povo é quem mais ordena.
2. UMA LIBERDADE AMORDAÇADA
As liberdades de manifestação e de expressão – e já agora o livre pensamento – são um direito com o mesmo valor constitucional. Diferindo ligeiramente na forma de exercício, as manifestações estão sujeitas a comunicação. O aviso destina-se, sobretudo, a acomodar no espaço público o exercício de um direito de liberdade no quadro da ordem pública.
Mentes retorcidas falam amiúde em manifestação autorizada, mas, de facto, do que se trata é só de comunicação prévia. Comunicação que não é sequer requisito do direito, porque o direito já existe e exerce-se imediata e directamente, e a liberdade está a passar por aqui!
Contudo, por ordens superiores, agentes policiais têm interferido em simples acções sindicais para entrega de documentos ou representações, que se verificam em frente às instalações de ministérios e outros departamentos públicos. Tais situações acontecem em espaços pedonais, não interferindo com o tráfego automóvel nem com a deslocação desimpedida de pessoas. Prontamente, lá aparece sempre um agente policial a identificar a/o responsável pelo ajuntamento de meia dúzia de pessoas. E zás, participação crime contra os “malfeitores” sindicais, abertura de inquérito pelo Ministério Público, envolvimento de órgão de polícia criminal, cartas precatórias, interrogatório de sindicalistas, diligências várias, etc. No fim: arquivamento. Tivemos, contudo, o aparelho judicial ocupado com lana-caprina e bagatela tonta a criar mais morosidade. Quando interrogado, aqui e ali, pelo ridículo da situação – há o caso de oito pessoas no Terreiro do Paço, em Lisboa, no local onde milhares tinham ido adorar a árvore natalícia – o agente da autoridade ainda responde: “mas trazem um pano!” ou “têm um cartaz!”. E depois? Estamos no domínio da mesquinhez política e do amedrontamento de há 50 anos, quando a Polícia ainda reprimia pequenos ajuntamentos na rua.
Ainda hoje há resquícios de memória do tempo em que Posturas e Regulamentos dos já enterrados Governos Civis impunham licenças e autorizações para ajuntamentos e expressões públicas de liberdade, sem as quais se abatia o cassetete e a prisão. O Tribunal Constitucional, ainda nos idos de 80, se afanava a declarar inconstitucionais tais espartilhos à liberdade. Uma excrescência da repressão ditatorial do antanho.
3. ABERRAÇÃO CONSTITUCIONAL
A nossa Constituição garante a separação de poderes (art.º 111.º). Esse trinco ajuda a prevenir uma ditadura.
Se num País, onde funciona o Estado de Direito Democrático, houvesse um órgão de soberania que juntasse, em si mesmo, poderes legislativos (fazer leis), regulamentares (fazer regulamentos), executivos (executar as leis e as políticas) e de controlo regulatório, estaríamos perante uma aberração constitucional. A República teria cedido lugar à arbitrariedade.
Pois bem, é o que temos e ainda alimentamos em Bruxelas, concentrando na Comissão Europeia todos os poderes de governar, fazer leis, emitir ordens e fiscalizar e representar Estados membros, tudo sem eleições.
A Comissão Europeia é uma aberração constitucional, formada por gente sem legitimidade democrática, dominada por um imenso aparelho tecnocrático obscuro, de engravatados, permeável a pressões de lóbis dos grandes interesses económicos, e que se substitui aos Estados-membros, que alienaram boa parte da sua soberania. O que faz falta é avisar a malta que a Comissão Europeia é uma expressão não democrática de titularidade do poder, e que a eleição para o Parlamento Europeu não resolve.