LUÍS CORCEIRO | ADVOGADO
A FARSA DO COLABORACIONISMO LABORAL
Nem o Código do Trabalho, nem a LTFP respondem a colaborador. A própria Constituição contém 50 vezes a palavra trabalhador, e uma única vez a palavra colaborador, conexa com liberdade de imprensa.
Anda muito em voga trocar as voltas ao trabalhador e “medalhá-lo” como colaborador. Há até um exemplo numa entidade pública, em que o trabalhador deixou de o ser para se tornar pessoa empregada, talvez porque os desempregados nem pessoas possam ser. Ora, colaborador nem sequer é sinónimo de trabalhador e não há de todo contratos de colaboração, mas sim de trabalho.
Dá a ideia que dizer trabalhador queima a língua, qual crucifixo apontado a belzebu. Já dizer colaborador parece quase neutro, com sabor delicado. Só que no mundo do trabalho não há neutros, nem relações inodoras. O mundo do trabalho importuna, desde a escravatura, e só deixará de incomodar com o afundamento do capitalismo, nem que mudem os nomes e os pintem com cores garridas e luzes néon.
Trabalhador é um conceito sociológico sim, mas sobretudo jurídico. Pelo que, usar o conceito de colaborador juridicamente inexistente é uma fraude, porque se induz a falsa ideia de que, na relação de trabalho, em vez de duas partes contrapostas haveria apenas uma entidade descaracterizada, que agrega à sua volta colaboradores.
REIVINDICAR DIREITOS E NÃO MENDIGAR SIMPATIA
Não queira que o tratem por colaborador porque a colaboração impõe uma subordinação arbitrária ao outro que o trata por igual, sabendo bem que o não é. Já se o tratam por trabalhador aceite, porque essa subordinação tem regras cristalinas e faz-se olhos nos olhos, entre partes assumidamente desiguais, uma com poderes deveres e a outra com direitos.
Quando trabalha, ganha salário e reivindica direitos, mas quando colabora ganha a simpatia do patrão e mendiga direitos. O colaborador é piegas e engraxador, o trabalhador é sério e frontal. Esbater essa diferença com a ideia de colaboracionismo apenas engana, mas não muda a realidade entre quem trabalha e quem dele se aproveita.
Aos que chamam ao trabalhador seu colaborador, que sejam coerentes e partilhem informação sobre os resultados e não lhe neguem a participação qualificada nas decisões da empresa; tratem-no como semelhante e não como subordinado. Sobretudo, não o avaliem pela assiduidade, porque isso só se faz aos trabalhadores. Se não lhe agrada esta cartilha subversiva, embora consequente, mas trata os trabalhadores por colaboradores, então contradiz-se e intruja-os.
GATO POR LEBRE…
O antónimo de trabalhador é mandrião, preguiçoso, ou seja, aquele que não trabalha. Já o antónimo de colaborar é desajudar, complicar e dificultar; numa palavra, sabotar. Ao sabotador prefira quem, não trabalhando, também não recebe e deixe-se de farsas.
Por infelicidade, acontece que colaborador pode ter conotações reprováveis tais como colaborador da Polícia, do patrão, mas já o termo trabalhador da Polícia ou do patrão não se relaciona com bufaria ou deslealdade.
É bafiento o engodo de mudar os nomes às profissões, mas sem modificar o seu conteúdo nem acrescentar salário ou direitos. Alindar nomes de profissões é uma falcatrua que nada acrescenta à dignidade do trabalho e ao respeito por direitos. No mesmo sentido, o que está na base do truque de trocar trabalhador por colaborador é precisamente servir gato por lebre.
O uso do termo, aliás impróprio, é apenas um ardil manhoso dos patrões e seus seguidores para descaracterizar a relação laboral, eliminar a contraposição típica entre trabalho e capital, mascarar como próxima uma relação contratual desigual, descentrar os interesses contrapostos entre as partes, anestesiar a capacidade crítica do trabalhador que virou – olaré – colaborador, para excepcionar o exercício de direitos laborais, desequilibrar o mérito do esforço humano, ocultar o sobretrabalho não pago, e degradar a âncora jurídica na relação desigual entre patrão e trabalhador.
… E O CANTO DA SEREIA
O trabalhador presta trabalho, sem nada em troca que não seja o justo salário, e é vertical por definição. Já o colaborador tende a ser curvado e subserviente, vivendo a falsa ilusão de estar a participar nos lucros alheios.
A relação de trabalho é, por natureza, bilateral e recíproca: eu trabalho, logo tu pagas-me; eu cumpro as tuas ordens, logo tu respeitas os meus direitos. Esta bilateralidade transformada em unilateralidade colaboracionista destrói a responsabilidade recíproca da relação laboral. E quando isso acontece, encantado que está o trabalhador com o canto da sereia colaboradora, faz horas extraordinárias não remuneradas, aceita tarefas não compreendidas no contrato, adia e encurta férias, hipoteca direitos. E ao fim do dia, o colaborador é dispensado pela mesma porta por onde saiu o trabalhador despedido.
Experimente pesquisar por colaborador no endereço da Wikipédia. O que acontece? A pesquisa devolve, invariavelmente, a palavra trabalhador. Nem a Wikipédia se deixa enganar. Faça igual e combata a fraude.